Resenha crítica: SILVA, Juremir M. O que pesquisar quer dizer: como fazer textos acadêmicos sem medo da ABNT e da CAPES. Porto Alegre: Sulina, 2010.
O
autor inicia sua obra citando Paul Feyerabend,filósofo austríaco, considerado
um defensor do anarquismo teórico. De acordo com Feyerabend, não deveria haver
fundamentação prescritiva do método científico que limitasse as atividades dos
cientistas e dessa maneira restringisse o progresso científico. Será essa forma
de pensar que ao longo do livro de Silva será compartilhada de forma
argumentativa.
Baseado em experiências de docência Silva observou que cada monografia,
dissertação ou tese exibia um longo referencial teórico e uma parte sobre
metodologia. Raras vezes o referencial teórico e a metodologia se encontravam.
Quase nunca a metodologia derivava do referencial teórico. Na maior parte das
vezes, o referencial teórico era um olhar emprestado que enchia páginas.
Fixando um pano de fundo e não tinha utilidade para a análise. Já a metodologia
parecia uma grade que se escolhe num supermercado metodológico, em outras
palavras, Silva quis dizer que muitas das vezes o candidato a cientista utiliza
determinadas teorias e metodologias que se contradizem ou nem se complementam, desvinculadas
de uma visão do todo. Sendo assim, sem realmente entender a relação entre as
partes, produzindo textos obscuro, ilegível e cheio de palavras difíceis.
O referencial
teórico, de acordo com Silva, é uma lente. Se o pesquisador já a usa desde antes
de olhar o objeto e a considera perfeita, a sua tendência será enxergar tudo do
mesmo modo ou com o mesmo grau de miopia. O referencial teórico é um olhar
tomado de empréstimo. Ajuda a ver o fenômeno estudado. Amplia o campo de
observação. Não é uma visão de mundo completa nem substitui o olhar do
pesquisador sobre o seu objeto.
O importante para o pesquisador é
entender que a pesquisa deve trazer à luz o que está encoberto pela
familiaridade e esse processo envolve três fases: estranhamento; entranhamento;
e desentranhamento. Que significa: o ato do pesquisador de abstrair seus
valores, pré-conceitos; e mergulhar no universo do outro; após, sai do outro,
volta a si, retoma seus valores, agora afetado pelo objeto, justamente porque
utilizou uma abordagem dialógica, buscando narrar o vivido como o cronista do eu que também é um outro.
Nota-se
que na descrição de Silva, fica claro que as fases: estranhamento,
entranhamento e desentranhamento são etapas vivificadas por outros
profissionais, tais como, artistas,
escritores etc., pessoas que podem ser definidas como aquelas que levantam o
véu do cotidiano, almejando iluminar algo que outrora era imperceptível.
Segundo Silva, a regra de ouro do texto acadêmico em
ciências humanas é muito simples: nada pode ficar sem argumentação, momento em
que tudo exige demonstração. Porém, não basta ter o melhor argumento, é
preciso saber apresentá-lo. Para isso, o pesquisador deve confrontar os
diferentes teóricos, sendo capaz de fazer a interlocução, a mediação e verificar
pontos fortes e fracos em cada um deles, para então poder superá-los, gerando
uma síntese.
Um pesquisador em comunicação deverá explicita
o caminho do pensamento que utilizou
para realizar a pesquisa, ou seja, ao final de uma pesquisa, ele deve
ser capaz de responder a seguinte pergunta: qual foi o caminho descoberto?
Conforme Silva, uma metodologia é uma lente de apoio que permite à teoria
formatar o vivido. Em lugar de escolher uma teoria para melhor abordar um
objeto, talvez fosse o caso de o pesquisador, por meio do estranhamento sair
dos seus quadros teóricos antes de entranhar-se no desconhecido familiar do
cotidiano.
Se por um lado Silva sempre ressalta que
o pesquisador não deve escolher o mesmo caminho metodológico sem reflexão, nem
usar sempre as mesmas lentes teóricas; por outro lado, na página 20, ele afirma:
não se deve demonizar a técnica, nem a metodologia. Tampouco se deve
endeusá-las. Quando o pesquisador se submete à metodologia, perde o caminho do
descobrimento.
O
pesquisador em comunicação deve atentar para, ao menos, três ordens de coisas:
- A relação
entre as palavras
- A relação
entre as palavras e as coisas
- A relação
entre as coisas e as coisas
Segundo
Silva, uma metodologia complicada, excessivamente construída, artificial, faz o
objeto dar respostas complicadas e artificiais.
Precisamos retornar às origens simples e retomar a ciência, o
pesquisador deve ser capaz de responder a algumas questões muito simples e
claras:
- o que foi
desvendado?
- o que foi desvelado?
- o que passou
de encoberto a descoberto?
- o que emergiu?
- o que veio a
tona?
- como descobriu
o que estava encoberto?
- como fez o
objeto falar?
- como fez
passar do “correto” (exato) ao verdadeiro?
A boa metodologia é só isso. Como
fazer passar do encoberto ao descoberto.
De
acordo com Silva as melhores pesquisas quase sempre são aquelas que partem de
um bom problema. O bom problema é aquele que pode ser explicado em uma conversa
de bar, e ser entendido. Já as hipóteses, podem ser divididas em quatro
categorias: hipótese de confirmação; hipótese de exploração; hipóteses de
especulação; hipóteses de refutação; hipóteses de inversão.
Desse
modo, sempre que o pesquisador se depara com um novo objeto de estudo deve
formula hipóteses que tendem a:
a) confirmar o
senso comum
b) confirmar o
conhecimento científico preexistente
c) refutar o
senso comum
d) Inverter tudo
o que se dizia e pensava até ali.
Sobre
a ABNT, Silva afirma que ela não manda, ela recomenda. Mas a produção
científica é uma peça que exige ser apresentada seguindo alguns passos. E o
mais inteligente, não é pagar para alguém colocar seu trabalho "dentro das
normas da ABNT", é aprender as normas de verdade.
Silva
afirma que a sociedade precisa de mitos para alimentar seu imaginário. Que os
crie, alimente e proteja. Ao pesquisador cabe buscar a verdade. Esse é o seu
papel. Pois pesquisar é isso: fazer emergir algo que não está à primeira vista.
Diante do exposto, vale ressaltar que
o livro de Silva é de uma clareza e coerência argumentativa muito difícil de
encontrar; demonstrando domínio do assunto, humor e criatividade. Suas
colocações nos fazem refletir acerca do papel do pesquisador e dos caminhos a
ser escolhido.
Apesar
disso, ele apresenta velhos mitos, já desvelado por Thomas Kuhn (p. 53), na sua obra A função
do dogma na investigação científica. O mito do “cientista como o investigador
sem preconceitos em busca da verdade; o explorador da natureza – o homem
que rejeita idéias preconcebidas, que coleciona e examina fatos crus, objetivos
e que é fiel a tais fatos e só a eles. Qual é o fato que a história nos
apresenta? Preconceito e resistência parecem ser mais a regra do que a exceção
no desenvolvimento científico avançado. Quem não aprender a dançar conforme a
música, a dizer as mesmas coisas, a ler os mesmos livros, a afirmar as mesmas
teorias, cedo se descobrirá isolado. Se há preconceitos e resistência, isto não
se deve a uma deformação individual, mas é uma expressão da vida social do
grupo, “características da comunidade, profundamente enraizadas no
processo mesmo pelo qual os cientistas são treinados para trabalhar em sua
profissão” (Kuhn. p. 55).
A maioria absoluta das pessoas
envolvidas na pesquisa, além disto, deve trabalhar em equipes nas quais não
possuem autonomia alguma, e somente uma fração insignificante está em condições
de fazer trabalho independente proposto por Silva. Das milhares de pessoas
engajadas em trabalho científico, calcula-se que não mais que mil tenham a
liberdade de escolher os seus próprios problemas (William H. Whyte, Jr. The
Organization Man. p. 205).
Quem
quiser fazer ciência, tem de se submeter às instituições científicas: serão
elas que: o iniciarão na linguagem, etiquetas e rituais da ciência;
reconhecerão formalmente as suas credenciais e o declararão como “apto”;
financiarão suas pesquisas; fornecerão o público que eventualmente lerá os
artigos eruditos que vierem a ser produzidos.
Segundo
Stark, Werner. The Sociology of Knowledge. Londres, Routledge and Kegan Paul, 1967. p. 71. “O pensamento expurgado de valores pode ser um ideal, mas é
absolutamente certo que ele não é uma realidade em parte alguma”
Desse
modo, apesar de bem intencionado, Silva cai em uma armadilha de atribuir as
práticas do sujeito todo um problema que é sistêmico, afinal não é a fraqueza
dos olhos. Ainda que os olhos sejam abertos, continua a escuridão, “porque a
sua visão é tolhida pelo conjunto total de axiomas que lhe entremeiam o
pensamento histórica e socialmente determinado” (Karl Mannheim. Ideologia e
utopia. p. 182). A cegueira não se resolve por meio de uma cirurgia
epistemológica, porque ela tem suas origens no lugar social de onde o cientista
pensa.
Elizabeth Venâncio
Mestranda em Comunicação UFG
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