A EXPERIÊNCIA DE FILOSOFIA PARA CRIANÇAS EM COLÔNIA LOPE DE VEGA (SEVILHA). SURPRESAS E APRENDIZES RESENHA POR: ANA MARIA SIQUEIRA SILVA
A obra analisada é Filosofia para
Ninõs y Una Capacitación Democrática Freireana, de José Barrientos Rastrojo,
mais especificamente o capítulo intitulado La Experiencia de Filosofia para
Niños em el Colégio Lope de Vega (Sevilha),
escrito por Sara Mariscal Vega y Pablo Iglesia Valdés
As idéias deste capítulo são reunidas
em torno de um projeto colaborativo concedido a um dos autores do artigo. A
ideia principal do projeto gira em torno da concepção de “compreensão” que o
filósofo mexicano Maurício Beuchot utiliza sobre Filosofia para Crianças.
Criou-se um grupo de trabalho formado por quatro estudantes da Faculdade de
Filosofia de Sevilha. (Cristian Fernandes Baena, Miguel Antônio Lopes Martín,
Pablo Iglesias Valdéz, e Sara Mariscal Vega) e o professor da Universidade de
Sevilha, José Barrientos Rastrojo.
Na seção Primeiro Contato com a Filosofia para Crianças, os autores demonstram seu espanto diante da
atitude negativa de colegas em relação à Filosofia para Crianças, os quais
questionam, principalmente, sua capacidade de abstração. “ Não é estranho
testemunhar de animos com real indiferença até negativas.”
Há o mesmo estranhamento por parte
daqueles que já se dispuseram a trabalhar com Filosofia para Crianças, porque
já vivenciaram experiências que comprovam o contrário. “Simplesmente dizemos
que vimos crianças exercitando a razão de uma forma que não é geralmente
atribuída a elas. A razão, de uma forma que tradicionalmente tem sido separada
da possibilidade de própria infância "
Os autores incitam a realização das
experiências e exemplificam com Alexandre, o Grande, que foi discípulo de
Aristóteles com um pouco menos de treze anos.
Na seção Um novo
olhar sobre a relevância da infância, os autores iniciam dizendo que hoje já
começamos a estudar e entender que habilidades de crianças e adultos são
completamente diferentes no que diz respeito à imaginação, consciência e
inteligência. “ o ponto chave e para o qual consideramos a importância da FPN
nasce do fato de que a infância é aquele estágio vital que nos permite nos
tornarmos humanos em maturidade. Esta educação crítica longe do conteúdo
simples é essencial em qualquer lugar,
mas mais do que nunca em um mundo ocidental
pseudodemocratizado.”[...]“qualquer um que tenha feito sessões de Filosofia
para crianças, ou simplesmente que tenha enfrentado alguma criança em torno de
algum tipo de questão que vá além da mera facilidade, saiba que a criança é
capaz de deixar sua posição real para poder dar respostas que vão além de uma
experiência concreta e contemporânea do momento da questão em si. As crianças
costumavam refletir sobre suas vidas em cada um dos tópicos que surgiram em
nossas sessões; Assim, quando um debate estava acontecendo sobre qualquer
assunto, a sessão se tornou um amálgama de vidas e mundos que foram
compartilhados. Muitos entendiam a própria vida e davam-lhe uma identidade
própria, na medida em que era diferente do outro. O outro não é algo derivado
da identidade, mas a identidade é possível porque existe uma diferença diante
de si, um outro o eu. A criação da identidade pessoal é formada como um
circuito fechado de feedback através do qual o eu é realizado e através do qual
nos tornamos conscientes do outro. Desta forma, se o circuito criado com o
outro estiver quebrado, o si mesmo e o outro desaparecem. Isto tem as
conotações éticas de entender o Outro como um eu e a estima do eu como Outro.
Com base nisso, o que precisávamos fazer era tirar as crianças umas das outras
e abri-las à outra através do diálogo.”
Os autores dizem que não imaginavam as
dificuldades que se impuseram tanto interna quanto externamente, no que diz
respeito ao relacionamento com “o outro”. Mas mesmo assim, iniciaram o trabalho
com a esperança de que meninos e meninas fossem capazes de se abrirem para as
discussões sobre suas próprias vidas, e para temáticas como a felicidade, o amor, a linguagem, a
liberdade e a inveja.
“Se admitirmos que a compreensão
encontra sua condição de possibilidade no diálogo, na colocação em comum,
então, por meio dessas aulas, se perseguia estimular o exercício e a escuta, do
interesse pelo outro. Em seguida, o procedimento geral foi o de levantar
perguntas e animar a conversação raciocinada em torno delas. Este é um ponto
importante a se ter em conta. Procuramos não falar aleatoriamente, sem nenhum
fundamento. Mas aspirava-se que as próprias crianças fossem argumentando seus
discursos, dando razões para o que defendiam e se ocupassem das reflexões dos
demais. Além disso, os meninos e meninas intervinham no diálogo, partindo de
alguns pontos essenciais para o estabelecimento da possibilidade de
compreensão: Era necessário levantar a mão antes de falar e escutar enquanto
outro falava (dando lugar para escutar o companheiro ou companheira e não se
apressando a falar uns por cima dos outros).”
Na seção “Problemática e diferenças
dos componentes da aula” os autores demonstraram a necessidade de se ter um
conhecimento prévio das crianças com as quais se vai trabalhar, pois que a
idade biológica nem sempre uniformiza as habilidades, desejos e realidade. E
que talvez esse seja um grande problema da educação como um todo. Relatam que
haviam alunos muito mais maduros que a maioria da turma e que “assim, se
aborreciam com temas como “o bem e o mal”, reclamando
silenciosamente, de diretrizes com respeito
à vida que têm praticamente, adiante.”
Dizem que a paixão por unificar as
necessidades e interesses das crianças é um erro.
Na seção Desaparecimento das
condições de possibilidade de diálogo apresentaram as dificuldades de
estabelecimento de regras para que o diálogo fosse gerado. “fique em silêncio
quando outra pessoa fala, peça permissão para falar, levantando a mão, etc.; no
entanto, eles às vezes se tornam um problema básico devido à não conformidade.
Um dos dois grupos que enfrentamos apresentou grandes complicações para o
diálogo e o debate. Quando percebemos isso no grupo, tudo o que queríamos
alcançar desapareceu e a base para fazer as crianças estabelecerem um diálogo
foi governar todas as nossas ações.”
Na seção Influência do ambiente
externo” os autores dizem que “m erro fundamental, em nossa opinião, é fazer
essa sessão na sala de aula em que as crianças ensinam. Esse erro deve ser
evitado por dois motivos. Por um lado, quando uma sessão da FpN é realizada,
precisamos que as crianças saibam que essa classe que está sendo ensinada não é
uma aula no sentido de que elas a entendem. Deixe-os participar dos seus
lugares habituais na sala de aula e os parceiros não ajudarão a tornar a ideia
que queremos impregnar. Por outro lado, achar que é mais provável que se as
crianças manter seus sites durante a sessão, também mantêm a sua atitude
habitual, comportamento e relacionamentos com colegas e o professor, que irá
converter a orientação e direção da sessão, em alguns casos. Se isso não puder
ser evitado, você pode reduzir o problema alterando alguns estudantes de seus
locais habituais, principalmente com a intenção de que não estão próximos aos
que geram mais dei barulho impedindo o trabalho de desenvolvimento normal.”
Na seção “Fatores Internos” os
autores dizem que não é o mesmo desenvolver sessões de FpN com crianças
pertencentes a famílias disfuncionais que diante de um grupo de estudantes com
uma grande família e estabilidade emocional.
Na sessão “Coluna Vertebral de Duas
Sessões” os autores discorrem sobre aulas realizadas com a temática do amor.
Primeiramente fizeram uma rodada de debates e lançaram a pergunta: "Você
acha que o amor pode ser eterno ou que é simplesmente pertencer a um instante e
que, além disso, muda constantemente?"Disseram que primeiramente as
crianças permaneciam rígidas e as opiniões provinham das ideias de seus pais,
mas aos poucos expulsaram suas ideias e os autores puderam perceber que muitos
se colocaram no lugar de colegas, pensando que não é o único a passar por
problemas na vida. Algumas das definições sobre o amor:
“É um sentimento que pode fazer você
se sentir bem ou mal. É difícil entender se você não sente (...) É como a água,
é difícil dizer o gosto da água, porque, com amor, acontece a mesma coisa.”
“O amor é parte das promessas, mas,
às vezes, o "nunca mais" nunca é cumprido e o "para sempre"
sempre termina, faz você sentir que a outra pessoa é sua e que quando outra
pessoa chega você pode se livrar dela. [Verdadeiramente] não é mesmo seu. O
amor deve ser provado.” “É algo que você não pode ver, mas ... você se sente”
Os textos dos alunos eram acompanhados de desenhos.
A seguir, passaram a discorrer sobre
a sessão acerca da liberdade. Contaram que precisavam lembrar as regras de convivência
no início de cada aula, para conseguirem fazer o trabalho fluir.
Durante a sessão de liberdade,
optamos por entregar uma folha de papel na qual eles tinham que escolher entre
uma das três opções:
a) renunciar
ao uso de tecnologia;
b) desistir
de educação ou
c) renunciar
à liberdade.
O resultado foi unânime. Nenhuma das
crianças quis deixar de ser livre. Após
a justificativa de suas respostas, eles tiveram que discutir por que ninguém
queria desistir da liberdade. Falaram sobre a dificuldade de incluir as crianças
tímidas no debate e deram a sugestão de reunir os estudantes em grupos
diversificados para amenizar esse problema.
“Durante nossa sessão, dividimos a
classe em duas posições, cada uma das partes tendo que defender uma delas: a
defesa da liberdade ou a ausência dela. Nesta ocasião, impusemos a cada grupo a
posição que ele tinha de defender. O fato de estabelecer a resposta responde à
intenção de que as crianças sejam colocadas em uma posição que, embora não as
convença, as obriga a pensar. Depois que ambos os grupos explicaram seu
raciocínio, dois alunos e um aluno foram chamados para representar três papéis
diferentes. O primeiro estudante encarnou um ex-viciado em drogas que
aproveitou seu tempo na prisão para se reabilitar e estudar uma carreira universitária.
O segundo discurso representou um carcereiro que, sendo responsável por manter
a ordem na prisão, sofreu abuso físico e psicológico por parte do marido. A
última aluna reproduziu as idéias de uma mulher multimilionária que tinha
viajado por todo o mundo, mas ele precisava da companhia de um homem a sair, e
não podia tomar suas próprias decisões. Com isso, pretendia-se que as crianças
/ opinassem sobre quais delas possuíam maior liberdade. A resposta foi clara:
todos apostaram no prisioneiro. O diálogo sobre o assunto se difunde mais do
que o esperado e ideias tão interessantes quanto a liberdade de pensamento é
uma condição de possibilidade para o desfrute de qualquer outro tipo de
liberdade.”
Na conclusão os autores contaram que
ao final das sessões distribuíram questionários para nos informar sobre os
aspectos negativos e positivos da atividade, bem como as habilidades que eles
consideraram ter adquirido. “Entre os elementos positivos das sessões, as
crianças destacaram: "dê sua própria opinião", "expresse-se
livremente", "a existência de novos conteúdos todos os dias",
"conheça as opiniões dos outros", "fale sem discutir" ,
"Expressar emoções", "resolver problemas" e "ouvir os
parceiros".
Analisaram ainda que as crianças
foram capazes de pensar mais sobre si mesmas e sobre seus pares, como também
discutir questões que não seriam postas em outros contextos. “Finalmente, com
relação às habilidades adquiridas, elas apontaram respostas muito diversas:
"respeitando os outros", "mantendo a palavra", "sendo
mais feliz", "valorizando a família", "vendo as coisas de
um ponto de vista diferente". "Ajude os outros em seus
problemas", "seja paciente" ou "entenda o significado de
alguns sentimentos", entre outros.” Salientaram que um dos pontos mais
importantes foi a interação com o outro, como também dar “ferramentas” às
crianças, para além dos conteúdos, que também foram aprendidos. “Uma das razões
que eles argumentaram para participar das sessões da FpN foi que neles
"você pode falar sobre questões importantes" ou "porque aqui
falamos de coisas mais interessantes". As crianças foram encorajadas a
expressar o que as afeta e que está à frente de todos os conteúdos que são
fornecidos diariamente. Em suma, podemos dizer que, embora às vezes tenhamos
sido ultrapassados pela nossa pequena experiência pedagógica, estamos
satisfeitos com o trabalho realizado e, sem dúvida, vamos repeti-lo novamente.”
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