O que me incomoda atualmente é a escritora Hannah Arendt, no seu livro Eichmann em Jerusalém
Hoje, somente a idade me
autoriza a reconhecer publicamente minhas falhas. A primeira, sou orgulhosa, do
tipo que não gosta de depender de ninguém, que adora tomar decisões sem ter de comunica-las,
muito menos justificar. Deve ser por isso que meus joelhos as vezes doem. Não
sabia? Li uma vez numa revista especializada em futilidades, que os joelhos dos
orgulhosos doem porque não querem se dobrar. Outra falha minha é me incomodar
diante de determinadas coisas ao ponto de aquilo não sair da minha cabeça. Fica
martelando “não pode ser assim”, “não pode ser assim”. Diante disto escrevo, na
esperança que alguém me auxilie no entendimento, porque apesar de orgulhosa,
sempre admiti que preciso da visão do outro para checar se a minha visão
corresponde à realidade.
O que me incomoda atualmente é
a escritora Hannah Arendt, no seu livro Eichmann
em Jerusalém, trata-se do relato do maior julgamento de um carrasco nazista
depois do tribunal de Nuremberg. Na obra ela escreve em determinado momento
acerca do heroísmo israelense e a passividade com que os judeus marcharam para
a morte:
Chegando pontualmente nos pontos de
transporte, andando sobre os próprios pés para os locais de execução, cavando
os próprios túmulos, despindo-se e empilhando caprichosamente as próprias
roupas, e deitando-se lado a lado para ser fuzilados. (ARENDT, 1999, p. 23)
Após este comentário ela
revela que os promotores, no julgamento do carrasco, não questionaram as
testemunhas que sobreviveram “por que não protestou?”, “por que embarcou no
trem?”, “havia 15 mil pessoas paradas lá, com centenas de guardas à frente –
por que vocês não se revoltaram, não partiram para o ataque?” Estas questões
que ela levantou, no primeiro momento, me causou indignação. Ora Hannah! Eram
pessoas comuns, donas de casa, ferreiros, padeiros etc., que nem sabiam porque
estavam sendo presas, para onde iriam. Quis gritar com ela: Quem é você Hannah
Arendt para dizer o que estava dizendo? Passada a raiva, fiquei pensando,
sempre considerei o ser humano movido pela violência, o que podemos constatar
apenas olhando para os lados, mudando de canal na TV, é tanto filme de
violência, diálogos cheios de abusos e relações bestializadas que a conclusão
natural é que o ser humano não é cordeiro, mas lobo. Então, por que os judeus
foram cordeiros?
Para contrapor a ideia de Hannah existe um
texto denominado Educação após Auschwitz, em que Theodor Adorno ressalta ser
preciso revelar os mecanismos que permitiram ao longo da história humana tais
práticas sociais de abuso, exclusão, intolerância, anulação do outro,
perseguição etc. Objetivando impedir que as pessoas se tornem novamente capazes
de tais atos, na medida em que se desperta uma consciência geral acerca desses
mecanismos.
Não acredito que adianta muito apelar a
valores eternos, acerca dos quais justamente os responsáveis por tais atos
reagiriam com menosprezo; também não acredito que o esclarecimento acerca das
qualidades positivas das minorias reprimidas seja de muita valia. É preciso
buscar as raízes nos perseguidores e não nas vítimas, assassinadas sob os
pretextos mais mesquinhos. (ADORNO, 1969, p.2)
Aqui, temos duas opiniões opostas, uma que
procura na vítima a possibilidade de que a agressão tivesse sido menor ou diferente
e outra que vê no agressor a chave para descobrir os mecanismos que porá fim
aos abusos. Os dois autores estão errados ou os dois estão certos? Para mim, não se trata
de estar certo ou errado, mas sim de construir um entendimento social acerca de como conviver com as diferenças, seja entre judeus e não-judeus, seja entre homens e mulheres, seja
entre negros e brancos, seja entre explorados e exploradores, seja entre políticos
corruptos e cidadãos.
Penso que os escritores se
complementam, porque o que dizem está muito relacionado com a capacidade humana
de tomar decisões, por exemplo, no Brasil a corrupção mata mais brasileiros do
que os nazistas mataram judeus em campos de concentração. Se tal qual os
judeus caminhamos como cordeiros para a destruição, com certeza não devemos ter o real entendimento
acerca de como combater a corrupção.
Referência
ADORNO,
Theodor. Educação após Auschwitz. Tradução Wolfgang Leo Maar. Educação on-line:
1969. Disponível: https://rizomas.net/arquivos/AdornoEducacao-apos-Auschwitz.pdf
ARENDT,
Hannah. Eichmmam em Jerusalém;
tradução José Rubens Siqueira. São Paulo: companhia das letras, 1999.
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